O guia prático para transformar um tema espinhoso em histórias que mobilizam.

IMPOSTOS

Talvez você tenha a impressão de que já leu esse conteúdo. De fato, o "Como Falar Sobre: Justiça Tributária" foi lançado em maio de 2025, com o objetivo de ajudar as pessoas a falarem de forma mais eficaz sobre esse tema tão complexo…

Mas após a janela de declaração do Imposto de Renda, de realizarmos o Desafio de Cortes #ImpostoJustoJá! e de testarmos diversos conteúdos sobre o tema (além de registrarmos um pico histórico de buscas por "imposto" no Google nas últimas semanas), entendemos que a experiência nos trouxe aprendizados importantes, que mereciam uma atualização nesse especial.

A principal notícia: não tem pra quê dourar a pílula. "Justiça tributária" não é um termo que se conecta com a realidade das pessoas. Em um país onde os mais pobres arcam com 75% do total dos impostos arrecadados (mas não definem o destino desses valores) achamos que fazia mais sentido falar sobre “impostos", que é o jeito como as pessoas entendem. A má notícia é que muita gente rejeita esse assunto. A boa, é que temos muito mais chances de virar esse jogo do que a gente imagina.

Ninguém, ninguém mesmo, nem pobre, nem rico, nem alto, nem baixo, nem homens, nem mulheres, NINGUÉM gosta de pagar Imposto e é por isso que essa pauta é tão unificadora - até o Gil do Vigor, uma pessoa reconhecidamente de esquerda gravou vídeo pra reclamar do governo por causa disso Mas quase todo mundo apoia valores como justiça, oportunidade e dignidade. Essa é a conversa.

É sempre importante termos o olhar direcionado a entender quem paga a conta. Especialmente porque, no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, os mais pobres arcam com 75% do total dos impostos arrecadados - mas não são eles que definem o destino desses valores. Por isso, propostas de justiça tributária ganharam mais fôlego, e nos deram uma oportunidade especial de colocar essa conversa no centro do debate.

De um lado, o governo propõe mudanças importantes: quem ganha até R$ 5 mil por mês ficará isento do IR a partir de 2026. Quem ganha entre R$ 5 mil e R$ 7 mil terá um desconto parcial. E quem ganha mais de R$ 50 mil por mês (ou seja, R$ 600 mil por ano) passará a pagar uma alíquota mínima, de forma progressiva e proporcional, calculada sobre todos os rendimentos — salários, aluguéis, dividendos, lucros e afins.

A lógica é simples: quem ganha mais precisa contribuir mais. Quem ganha menos deveria contribuir menos.

Mas na prática, muita gente reage com medo. Medo de que a conta do mercado fique mais cara. Medo de perder o emprego se os empresários forem embora. Medo de que os ricos escapem pela porta dos fundos. Medo de que, no fim, a conta caia no colo da classe média.

Foi para entender essas reações que o Brief ouviu as redes, rodou grupos focais e testou estímulos narrativos com públicos não convencidos. Com esses aprendizados, estimulamos uma série de produção de conteúdos para serem testados na prática no debate público. Mais do que entender melhor o que as pessoas pensam sobre o assunto, temos alguns aprendizados de quais conteúdos ressoam melhor junto às pessoas.

Este guia reúne os principais medos, dúvidas e resistências que surgem quando o assunto é justiça tributária — e o que funciona (ou não) para enfrentá-los. Para quem comunica, mobiliza e quer que essa conversa avance, aqui vai um mapa do caminho.

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Imposto: a palavra certa de um debate necessário

Muita gente se frustra ao pagar impostos, especialmente quando não vê retorno em serviços públicos. Mas é importante entender: são esses recursos que mantêm escolas, hospitais e programas sociais funcionando. O problema não é pagar imposto, mas como o sistema é estruturado — e quem está pagando mais ou menos dentro dele: quem tem menor renda compromete quase cinco meses do ano com tributos, enquanto os mais ricos contam com isenções e brechas legais para pagar o mínimo possível.

Por isso, quem defende justiça social precisa enfrentar esse tema com clareza. O debate não é sobre pagar mais ou menos, mas sobre redistribuir com equilíbrio — só assim teremos serviços públicos mais justos e eficientes. Falar em "imposto" é estratégico, porque as pessoas entendem do que se trata. Desde que a gente mostre sempre que essa não é uma conversa de quanto a gente tem que pagar: mas de como, e quem, deve pagar mais para liberar quem mais precisa.

O QUE PEGA BEM E MAL NO DEBATE DE IMPOSTO

“Imposto é roubo”?

“O governo tira o meu dinheiro à força e não devolve nada. Isso é roubo, não justiça.”

Essa frase virou um bordão — e, mais do que um argumento, carrega uma postura emocional. Ela expressa raiva, frustração e um sentimento real de abandono. Para quem repete essa ideia, pagar imposto não tem a ver com justiça ou contribuição — tem a ver com perda, abuso e falta de retorno.

Essa visão se espalhou tanto que virou quase um consenso. Mas por trás dela está a falsa ideia de que cada um vive sozinho, de que tudo o que é coletivo é ineficiente — e de que pagar imposto é um castigo individual, não um pacto social.

Suécia, Dinamarca, Finlândia, Noruega... a maior parte desses países citados como exemplos de vida digna e bem-estar social, oferecem serviços públicos bem estruturados... Mantidos por altas taxas de impostos sobre os mais ricos. Nem sempre é fácil convencer as pessoas de que no Brasil os pobres pagam muito mais impostos do que os ricos, já que se trata de proporções, não de valores absolutos. Mas é importante termos em mente que, bem-viver tem o seu preço - e se o governo cobrar melhor de quem pode pagar mais, consegue oferecer um país eficiente para todos, sem causar prejuízos a ninguém.

COMO ABORDAR?

  • Reconheça a frustração, mas questione a lógica do abandono.
    É verdade que muita gente paga e não vê retorno — mas isso não acontece por acaso. Onde o dinheiro aparece? Onde os serviços funcionam melhor? Justamente onde estão os que mais concentram poder. Mostre que o problema não é pagar, mas quem decide para onde vai o que se paga — e que isso só muda quando mais gente entende e entra na briga por um sistema mais justo.

  • Reenquadre o debate: quem está realmente bancando quem.
    O discurso de que “imposto é roubo” finge que todo mundo paga igual. Mas a verdade é que a conta pesa mais pra quem tem menos. Não é quem paga imposto que está sendo roubado. Roubo é quem não paga o que deveria.

  • Aproxime o imposto da ideia de bem comum — mas sem falar de Estado.
    Em vez de defender o imposto no abstrato, associe-o ao que é concreto e necessário: ambulância, UBS, creche, coleta de lixo. Use exemplos de serviços essenciais que fazem falta — e que só existem quando há contribuição coletiva.

  • Evite o confronto e foque na reordenação da indignação.
    Ao invés de dizer que a pessoa está errada, reconheça a sensação de injustiça — e redirecione a raiva.

    “Você tem razão de se sentir lesado. Imposto só parece roubo quando só você está pagando. Quando todo mundo contribui de forma justa, vira solução.”

Taxar os super-ricos

pode causar desemprego?

“Se começar a cobrar mais dos empresários, eles vão embora. E aí, quem vai contratar?

Essa preocupação apareceu com força. Para muitas pessoas, taxar quem ganha muito é visto como um risco para a economia: os “ricos” seriam os responsáveis por gerar empregos — e qualquer cobrança extra poderia levá-los a sair do país ou cortar gastos, afetando diretamente os trabalhadores.

COMO ABORDAR?

  • Não coloque o “empresário comum” como vilão. Deixe claro que a proposta mira quem vive de rendimentos altos e isentos, como lucros e dividendos — e não quem está empreendendo ou tocando um pequeno negócio.

  • Apresente a lógica econômica de forma simples: “Mais gente com dinheiro no bolso é mais gente comprando. E é isso que faz as empresas crescerem e abrirem novas vagas.”

  • Explique que a proposta busca aliviar o peso de quem ganha pouco e fazer com que quem ganha muito — e nunca pagou nada — contribua também.

  • Use exemplos práticos: “Com a isenção para quem ganha até R$ 5 mil, vai sobrar um dinheirinho no fim do mês para milhões de pessoas, que vão poder gastar mais. Isso movimenta o comércio e fortalece os pequenos negócios.”

A proposta vai aumentar

o preço dos alimentos?

“Tá certo quem tem mais pagar mais. Mas no fim das contas, quem vai pagar essa conta sou eu no supermercado.”

Esse receio apareceu de forma repetida e intensa. Mesmo sendo um imposto sobre renda, o IR acaba sendo associado a toda sorte de impostos. O temor de ver os alimentos encarecendo foi um dos mais mobilizadores — especialmente entre mulheres.

COMO ABORDAR?

  • Mostre que a proposta prevê isenção total de impostos para os alimentos da cesta básica — arroz, feijão, leite, ovos, frutas.

  • Diferencie os tipos de imposto de forma direta. Esclareça que o IR não incide sobre produtos e nem sobre empresas, e sim sobre o total de rendimentos da pessoa física ao longo do ano.

Motorista com salário de R$ 3.650,66 🚗

Antes: pagava R$ 81,44 por mês.
Agora: não pagará mais nada.
Economia anual
: R$ 1.058,71

Esse valor pode ajudar a:

  • Comprar o material escolar do filho;

  • Pagar a revisão do carro;

  • Garantir as compras do supermercado.

Professora com salário de R$ 4.867,77👩‍🏫

Antes: pagava R$ 305,40 por mês.
Agora: não pagará mais nada.
Economia anual
: R$ 3.970,18

Esse valor pode ajudar a:

  • Pagar contas básicas como luz, água e gás;

  • Fazer uma viagem que planeja há tempos;

  • Aliviar o orçamento quando o salário acaba antes do fim do mês.

Autônomo com renda de R$ 5.450,00🧑‍🔧

Antes: pagava R$ 447,43 por mês.
Agora: pagará R$ 180,56.
Economia anual
: R$ 3.202,50

Esse valor pode ajudar a:

  • Cobrir despesas fixas como aluguel ou mercado;

  • Pagar o IPTU ou o IPVA sem parcelar;

  • Ter um respiro quando a renda oscilar.

Enfermeira com salário de R$ 6.260,00🧑‍⚕️

Antes: pagava R$ 670,18 por mês.
Agora: pagará R$ 530,03.
Economia anual
: R$ 1.822,01

Esse valor pode ajudar a:

  • Fazer uma compra de supermercado completa;

  • Comprar calçados e roupas novas para os filhos;

  • Ter uma reserva pra não depender do cartão no fim do mês.

Os super-ricos não vão

escapar dessa também?

“Eles vão dar um jeito. Sempre dão. Vão achar brecha, vão mandar pra fora, vão fazer o que for pra não pagar.”

A descrença é grande. Muita gente acredita que, mesmo com uma nova regra, quem está no topo da pirâmide vai continuar encontrando formas de driblar o sistema. Não é exatamente oposição à proposta — é desconfiança total de que ela vá funcionar.

COMO ABORDAR?

  • Acolha a dúvida sem tentar desmentir de cara e traga paralelos concretos: propostas novas geram mesmo desconfiança. Lembre o caso do Pix: quando foi lançado, muita gente achou estranho, arriscado, desconfiou. Hoje, virou parte da rotina e facilitou a vida de milhões de brasileiros.

  • Mostre que a cobrança é sobre rendimentos hoje isentos, como lucros e dividendos — e que há um esforço para tornar o sistema mais equilibrado.

  • Torne o contraste visível: “Hoje, quem é trabalhador paga imposto mesmo ganhando pouco. Mas quem lucra milhões com investimentos pode passar o ano inteiro sem contribuir com um centavo. É isso que precisa ser corrigido.”

  • Reforce que a proposta toca em privilégios reais — e é por isso que enfrenta resistência.

Afinal, quem é considerado

“rico” nessa história?

“Tem dono de padaria ganhando R$ 20 mil que chamam de rico.”

A figura do “rico” é confusa — e a do “super-rico” mais ainda. Para muita gente, qualquer pessoa com visibilidade ou renda acima da média já entra nessa categoria. Profissionais liberais, influenciadores, autônomos e até pequenos empresários foram colocados no mesmo balaio de bilionários. Isso gera rejeição à proposta, pois aciona a sensação de que “estão vindo pra cima de mim”.

COMO ABORDAR?

  • Tangibilize quem são os super-ricos: donos de grandes fortunas, herdeiros, rentistas, acionistas de grandes empresas.

  • Use figuras conhecidas para facilitar o entendimento: Jorge Paulo Lemann, os bilionários da Forbes, herdeiros de conglomerados — versus quem é dono de padaria, consultório ou canal no YouTube.

  • Quando falamos em quem ganha R$ 50 mil por mês, a proposta de taxação não tem tanto apoio. Mas quando falamos do rendimento anual (R$ 600 mil), a compreensão e adesão é bem maior.

  • Mostre que a proposta não atinge pequenos e médios empresários, nem profissionais que vivem do próprio trabalho – mais uma vez, trata-se de um imposto de renda para pessoas físicas, e não sobre empresas.

Como comunicar sem perder

o público no meio do caminho

“Se quem ganha mais vai pagar 10% e eu pago 27%, como isso é justo?”

As pessoas em geral não entendem o que é alíquota, isenção, progressividade. A proposta é simples — mas os termos usados para explicá-la nem sempre são. Conceitos como “alíquota efetiva”, “proporcionalidade” e “tributação sobre dividendos” geraram ruído. Muita gente confunde Imposto de Renda com impostos sobre consumo, inflação ou até a “carga tributária total”.

Além disso, há confusão entre pagar a mesma taxa percentual e pagar o mesmo valor absoluto — o que gera a falsa percepção de injustiça.

COMO ABORDAR?

  • Evite o vocabulário técnico. Em vez de “imposto mínimo”, diga: “Quem ganha muito vai passar a contribuir. Quem ganha pouco vai pagar menos ou nada.”

  • Adapte a mensagem ao perfil de quem ouve:

    • Homens tendem a responder melhor a termos como “regra clara”, “jogo justo”, “cada um fazendo sua parte”.

    • Mulheres se conectam mais com ideias de alívio, estabilidade e bem-estar da família.

  • Use comparações objetivas e diretas:
    “Alguém que ganha R$ 4 mil por mês hoje já paga imposto, enquanto alguém que ganha R$ 500 mil por mês investindo em ações não paga nada. Isso é justo?”

  • Reforce que a mudança é para corrigir distorções. A maioria das pessoas vai continuar como está — ou pagar menos. A diferença é que quem ganha muito, e hoje paga quase nada, vai começar a contribuir com uma parte proporcional.

  • E lembre sempre: clareza antes de confronto. Se a pessoa entende o que está em jogo, ela mesma começa a questionar quem realmente deveria estar pagando mais.

Como seguir

a conversa

— e fazer ela colar

Falar sobre justiça tributária exige mais do que repetir dados ou argumentos técnicos. Exige sensibilidade para reconhecer o que trava, estratégia para construir pontes, e criatividade para mostrar que o que parece abstrato na verdade afeta o dia a dia de todo mundo.

O que aprendemos é que a maioria das pessoas não é contra a justiça tributária — elas só não entenderam ainda como isso pode funcionar, ou temem que, como sempre, a conta acabe sobrando pra elas.

É por isso que, na hora de comunicar, não basta estar certo — é preciso ser compreendido. E mais: é preciso mostrar quem ganha com isso de forma clara, concreta, próxima.

Justiça tributária é mais do que uma conta justa — é um passo necessário para um país onde o esforço de quem tem pouco vale tanto quanto o acúmulo de quem tem muito. Quando essa lógica começa a fazer sentido para mais gente, a conversa muda. E com ela, muda também a ideia do que é possível conquistar.

Metodologia

Este guia foi construído a partir de duas etapas complementares:

1. Social listening

Análise de comentários em redes sociais para mapear percepções espontâneas, dúvidas recorrentes, reações emocionais e polarizações em torno do tema “imposto” e da proposta de isenção para quem ganha até R$ 5 mil.

2. Grupos focais

Realização de 4 grupos focais com pessoas das classes BC1, moradoras do Sudeste (SP e BH), que votaram em Bolsonaro no segundo turno “por falta de opção”. Foram dois grupos com mulheres e dois com homens, equilibrando perfis favoráveis e contrários à proposta.

Durante os encontros:

  • A proposta foi apresentada de forma gradual, com pausas para avaliar reações e esclarecer dúvidas;

  • Foram testadas frases, conteúdos visuais e diferentes formas de explicar os principais pontos da mudança tributária;

  • As conversas revelaram não apenas percepções cognitivas, mas também os sentimentos, valores e imaginários que atravessam o debate.

A análise foi conduzida pelo time do Projeto Brief em articulação com diferentes frentes da Quid, e serve como base para orientar estratégias de comunicação e mobilização pública.

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