
JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
Um guia para quem quer virar o jogo da comunicação sobre impostos
A reta final da declaração do Imposto de Renda chegou — e com ela, uma janela única para disputar a narrativa sobre quem paga, quanto paga e por quê.
De um lado, o governo propõe mudanças importantes: quem ganha até R$ 5 mil por mês ficará isento do IR a partir de 2026. Quem ganha entre R$ 5 mil e R$ 7 mil terá um desconto parcial. E quem ganha mais de R$ 50 mil por mês (ou seja, R$ 600 mil por ano) passará a pagar uma alíquota mínima, de forma progressiva e proporcional, calculada sobre todos os rendimentos — salários, aluguéis, dividendos, lucros e afins.
A lógica é simples: quem ganha mais precisa contribuir mais. Quem ganha menos deveria contribuir menos.
Mas na prática, muita gente reage com medo. Medo de que os alimentos fiquem mais caros. Medo de perder o emprego se os empresários forem embora. Medo de que os ricos escapem pela porta dos fundos. Medo de que, no fim, a conta caia no colo da classe média.
Foi para entender essas reações que o Brief ouviu as redes, rodou grupos focais e testou estímulos narrativos com públicos não convencidos. E o que a gente descobriu? Que o buraco é mais embaixo — mas dá pra virar esse jogo com estratégia.
Este guia reúne os principais medos, dúvidas e resistências que surgem quando o assunto é justiça tributária — e o que funciona (ou não) para enfrentá-los. Para quem comunica, mobiliza e quer que essa conversa avance (em vez de travar), aqui vai o mapa do caminho.
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“Imposto é roubo”?
“O governo tira o meu dinheiro à força e não devolve nada. Isso é roubo, não justiça.”
Essa frase virou um bordão — e, mais do que um argumento, carrega uma postura emocional. Ela expressa raiva, frustração e um sentimento real de abandono. Para quem repete essa ideia, pagar imposto não tem a ver com justiça ou contribuição — tem a ver com perda, abuso e falta de retorno.
Essa visão se espalhou tanto que virou quase um consenso. Mas por trás dela está a falsa ideia de que cada um vive sozinho, de que tudo o que é coletivo é ineficiente — e de que pagar imposto é um castigo individual, não um pacto social.
COMO ABORDAR?
Reconheça a frustração, mas questione a lógica do abandono.
É verdade que muita gente paga e não vê retorno — mas isso não acontece por acaso. Onde o dinheiro aparece? Onde os serviços funcionam melhor? Justamente onde estão os que mais concentram poder. Mostre que o problema não é pagar, mas quem decide para onde vai o que se paga — e que isso só muda quando mais gente entende e entra na briga por um sistema mais justo.Reenquadre o debate: quem está realmente bancando quem.
O discurso de que “imposto é roubo” finge que todo mundo paga igual. Mas a verdade é que a conta pesa mais pra quem tem menos. Não é quem paga imposto que está sendo roubado. Roubo é quem não paga o que deveria.
Aproxime o imposto da ideia de bem comum — mas sem falar de Estado.
Em vez de defender o imposto no abstrato, associe-o ao que é concreto e necessário: ambulância, UBS, creche, coleta de lixo. Use exemplos de serviços essenciais que fazem falta — e que só existem quando há contribuição coletiva.
Evite o confronto e foque na reordenação da indignação.
Ao invés de dizer que a pessoa está errada, reconheça a sensação de injustiça — e redirecione a raiva.
“Você tem razão de se sentir lesado. Imposto só parece roubo quando só você está pagando. Quando todo mundo contribui de forma justa, vira solução.”
Taxar os super-ricos
pode causar desemprego?
“Se começar a cobrar mais dos empresários, eles vão embora. E aí, quem vai contratar?
Essa preocupação apareceu com força. Para muitas pessoas, taxar quem ganha muito é visto como um risco para a economia: os “ricos” seriam os responsáveis por gerar empregos — e qualquer cobrança extra poderia levá-los a sair do país ou cortar gastos, afetando diretamente os trabalhadores.
COMO ABORDAR?
Não coloque o “empresário comum” como vilão. Deixe claro que a proposta mira quem vive de rendimentos altos e isentos, como lucros e dividendos — e não quem está empreendendo ou tocando um pequeno negócio.
Apresente a lógica econômica de forma simples: “Mais gente com dinheiro no bolso é mais gente comprando. E é isso que faz as empresas crescerem e abrirem novas vagas.”
Explique que a proposta busca aliviar o peso de quem ganha pouco e fazer com que quem ganha muito — e nunca pagou nada — contribua também.
Use exemplos práticos: “Com a isenção para quem ganha até R$ 5 mil, vai sobrar um dinheirinho no fim do mês para milhões de pessoas, que vão poder gastar mais. Isso movimenta o comércio e fortalece os pequenos negócios.”

A proposta vai aumentar
o preço dos alimentos?
“Tá certo quem tem mais pagar mais. Mas no fim das contas, quem vai pagar essa conta sou eu no supermercado.”
Esse receio apareceu de forma repetida e intensa. Mesmo sendo um imposto sobre renda, o IR acaba sendo associado a toda sorte de impostos. O temor de ver os alimentos encarecendo foi um dos mais mobilizadores — especialmente entre mulheres.
COMO ABORDAR?
Mostre que a proposta prevê isenção total de impostos para os alimentos da cesta básica — arroz, feijão, leite, ovos, frutas.
Diferencie os tipos de imposto de forma direta. Esclareça que o IR não incide sobre produtos e nem sobre empresas, e sim sobre o total de rendimentos da pessoa física ao longo do ano.
Motorista com salário de R$ 3.650,66 🚗
Antes: pagava R$ 81,44 por mês.
Agora: não pagará mais nada.
Economia anual: R$ 1.058,71
Esse valor pode ajudar a:
Comprar o material escolar do filho;
Pagar a revisão do carro;
Garantir as compras do supermercado.
Professora com salário de R$ 4.867,77👩🏫
Antes: pagava R$ 305,40 por mês.
Agora: não pagará mais nada.
Economia anual: R$ 3.970,18
Esse valor pode ajudar a:
Pagar contas básicas como luz, água e gás;
Fazer uma viagem que planeja há tempos;
Aliviar o orçamento quando o salário acaba antes do fim do mês.
Autônomo com renda de R$ 5.450,00🧑🔧
Antes: pagava R$ 447,43 por mês.
Agora: pagará R$ 180,56.
Economia anual: R$ 3.202,50
Esse valor pode ajudar a:
Cobrir despesas fixas como aluguel ou mercado;
Pagar o IPTU ou o IPVA sem parcelar;
Ter um respiro quando a renda oscilar.
Enfermeira com salário de R$ 6.260,00🧑⚕️
Antes: pagava R$ 670,18 por mês.
Agora: pagará R$ 530,03.
Economia anual: R$ 1.822,01
Esse valor pode ajudar a:
Fazer uma compra de supermercado completa;
Comprar calçados e roupas novas para os filhos;
Ter uma reserva pra não depender do cartão no fim do mês.
Os super-ricos não vão
escapar dessa também?
“Eles vão dar um jeito. Sempre dão. Vão achar brecha, vão mandar pra fora, vão fazer o que for pra não pagar.”
A descrença é grande. Muita gente acredita que, mesmo com uma nova regra, quem está no topo da pirâmide vai continuar encontrando formas de driblar o sistema. Não é exatamente oposição à proposta — é desconfiança total de que ela vá funcionar.
COMO ABORDAR?
Acolha a dúvida sem tentar desmentir de cara e traga paralelos concretos: propostas novas geram mesmo desconfiança. Lembre o caso do Pix: quando foi lançado, muita gente achou estranho, arriscado, desconfiou. Hoje, virou parte da rotina e facilitou a vida de milhões de brasileiros.
Mostre que a cobrança é sobre rendimentos hoje isentos, como lucros e dividendos — e que há um esforço para tornar o sistema mais equilibrado.
Torne o contraste visível: “Hoje, quem é trabalhador paga imposto mesmo ganhando pouco. Mas quem lucra milhões com investimentos pode passar o ano inteiro sem contribuir com um centavo. É isso que precisa ser corrigido.”
Reforce que a proposta toca em privilégios reais — e é por isso que enfrenta resistência.

Afinal, quem é considerado
“rico” nessa história?
“Tem dono de padaria ganhando R$ 20 mil que chamam de rico.”
A figura do “rico” é confusa — e a do “super-rico” mais ainda. Para muita gente, qualquer pessoa com visibilidade ou renda acima da média já entra nessa categoria. Profissionais liberais, influenciadores, autônomos e até pequenos empresários foram colocados no mesmo balaio de bilionários. Isso gera rejeição à proposta, pois aciona a sensação de que “estão vindo pra cima de mim”.
COMO ABORDAR?
Tangibilize quem são os super-ricos: donos de grandes fortunas, herdeiros, rentistas, acionistas de grandes empresas.
Use figuras conhecidas para facilitar o entendimento: Jorge Paulo Lemann, os bilionários da Forbes, herdeiros de conglomerados — versus quem é dono de padaria, consultório ou canal no YouTube.
Quando falamos em quem ganha R$ 50 mil por mês, a proposta de taxação não tem tanto apoio. Mas quando falamos do rendimento anual (R$ 600 mil), a compreensão e adesão é bem maior.
Mostre que a proposta não atinge pequenos e médios empresários, nem profissionais que vivem do próprio trabalho – mais uma vez, trata-se de um imposto de renda para pessoas físicas, e não sobre empresas.
Como comunicar sem perder
o público no meio do caminho
“Se quem ganha mais vai pagar 10% e eu pago 27%, como isso é justo?”
As pessoas em geral não entendem o que é alíquota, isenção, progressividade. A proposta é simples — mas os termos usados para explicá-la nem sempre são. Conceitos como “alíquota efetiva”, “proporcionalidade” e “tributação sobre dividendos” geraram ruído. Muita gente confunde Imposto de Renda com impostos sobre consumo, inflação ou até a “carga tributária total”.
Além disso, há confusão entre pagar a mesma taxa percentual e pagar o mesmo valor absoluto — o que gera a falsa percepção de injustiça.
COMO ABORDAR?
Evite o vocabulário técnico. Em vez de “imposto mínimo”, diga: “Quem ganha muito vai passar a contribuir. Quem ganha pouco vai pagar menos ou nada.”
Adapte a mensagem ao perfil de quem ouve:
Homens tendem a responder melhor a termos como “regra clara”, “jogo justo”, “cada um fazendo sua parte”.
Mulheres se conectam mais com ideias de alívio, estabilidade e bem-estar da família.
Use comparações objetivas e diretas:
“Alguém que ganha R$ 4 mil por mês hoje já paga imposto, enquanto alguém que ganha R$ 500 mil por mês investindo em ações não paga nada. Isso é justo?”
Reforce que a mudança é para corrigir distorções. A maioria das pessoas vai continuar como está — ou pagar menos. A diferença é que quem ganha muito, e hoje paga quase nada, vai começar a contribuir com uma parte proporcional.
E lembre sempre: clareza antes de confronto. Se a pessoa entende o que está em jogo, ela mesma começa a questionar quem realmente deveria estar pagando mais.

Como seguir
a conversa
— e fazer ela colar
Falar sobre justiça tributária exige mais do que repetir dados ou argumentos técnicos. Exige sensibilidade para reconhecer o que trava, estratégia para construir pontes, e criatividade para mostrar que o que parece abstrato na verdade afeta o dia a dia de todo mundo.
O que aprendemos é que a maioria das pessoas não é contra a justiça tributária — elas só não entenderam ainda como isso pode funcionar, ou temem que, como sempre, a conta acabe sobrando pra elas.
É por isso que, na hora de comunicar, não basta estar certo — é preciso ser compreendido. E mais: é preciso mostrar quem ganha com isso de forma clara, concreta, próxima.
Justiça tributária é mais do que uma conta justa — é um passo necessário para um país onde o esforço de quem tem pouco vale tanto quanto o acúmulo de quem tem muito. Quando essa lógica começa a fazer sentido para mais gente, a conversa muda. E com ela, muda também a ideia do que é possível conquistar.
Metodologia
Este guia foi construído a partir de duas etapas complementares:
1. Social listening
Análise de comentários em redes sociais para mapear percepções espontâneas, dúvidas recorrentes, reações emocionais e polarizações em torno do tema “imposto” e da proposta de isenção para quem ganha até R$ 5 mil.
2. Grupos focais
Realização de 4 grupos focais com pessoas das classes BC1, moradoras do Sudeste (SP e BH), que votaram em Bolsonaro no segundo turno “por falta de opção”. Foram dois grupos com mulheres e dois com homens, equilibrando perfis favoráveis e contrários à proposta.
Durante os encontros:
A proposta foi apresentada de forma gradual, com pausas para avaliar reações e esclarecer dúvidas;
Foram testadas frases, conteúdos visuais e diferentes formas de explicar os principais pontos da mudança tributária;
As conversas revelaram não apenas percepções cognitivas, mas também os sentimentos, valores e imaginários que atravessam o debate.
A análise foi conduzida pelo time do Projeto Brief em articulação com diferentes frentes da Quid, e serve como base para orientar estratégias de comunicação e mobilização pública.
Participe do
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