
MARIELLE FRANCO
Vereadora, mãe de família, professora, apaixonada pelo Rio de Janeiro, pelo Brasil e pela vida.

Não sei se você tem acompanhado, nem quais são suas opiniões e impressões sobre o caso Marielle Franco. Pode ser, até, que você não se interesse tanto pelo tema, ou pense que ele não tem nada a ver com você ou sua vida. Mas tenho pelo menos duas certezas:
Primeiro, que você conhece a história da vereadora carioca assassinada em março de 2018 (ano de intervenção militar nas comunidades do Rio de Janeiro, da prisão de Lula e das eleições que levaram Jair Bolsonaro à presidência da república). E a segunda, é que, ainda hoje, há uma operação organizada para tentar caluniar e criminalizar a história e o legado de Marielle, afastando o máximo possível de pessoas dessa pauta.
Por isso, em parceria com o Instituto Marielle Franco, a nova edição do Como Falar Sobre traz um convite e indicações dos discursos mais efetivos para informar sobre Marielle mesmo com quem não se interessa, ou tem resistência à sua história.
6 anos
sem Marielle
e Anderson:
e você com isso?
Mais uma vez, precisamos falar sobre Marielle. Após mais de seis anos de muitas perguntas e pouquíssimas respostas sobre um dos casos de violência política mais emblemáticos do país, os dois executores que confessaram o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes foram julgados e condenados em júri popular. Mas em jogo, não estava apenas o julgamento de uma dupla de pistoleiros. O processo também foi fundamental para avançar nas investigações sobre a participação (e as motivações) dos irmãos Brazão, apontados como mandantes do crime, e sobre a rede ilegal de atuação e influência no Rio de Janeiro. As prisões recentes e novas revelações reforçam a necessidade de seguir investigando incongruências, informações divergentes e mistérios ainda não resolvidos pelo inquérito.
Mais importante que tudo isso, porém, é a busca pela Justiça, pela verdade e pelo direito de opinar, participar e viver com liberdade, sem temer a ação de criminosos que usam da violência para silenciar a política. Capazes até de assassinar, a sangue frio, uma vereadora, mãe de família, professora, apaixonada pelo Rio de Janeiro, pelo Brasil e pela vida.
Precisamos falar de Marielle não só porque queremos que a Justiça seja feita. Mas também porque, como sempre acontece em torno de seu nome, uma rede de mentiras, desinformação e manipulações deve ser ativada com o objetivo de convencer a sociedade que Marielle é qualquer coisa, menos a vítima de um crime. Mesmo após tanto tempo, Marielle e seu legado seguem sendo covardemente atacados. Por isso, mais do que nunca, defender Marielle vai muito além de defender qualquer partido, ideologia ou projeto político. É a defesa do direito de toda mãe brasileira criar seus filhos com dignidade, com oportunidade e com a segurança de que as balas perdidas em todo Brasil parem de encontrar seus filhos.
O que (e por que) falam de Marielle
Em um momento histórico em que as fake news tentam se naturalizar como parte do jogo político, é verdade que a desinformação e os ataques a Marielle Franco vêm, pelo menos, desde a sua campanha para vereadora em 2016, onde surpreendeu como a 5ª mais votada e conquistou mais de 46 mil votos. Sendo uma mulher negra, de esquerda, oriunda das favelas do Rio de Janeiro e atuante em lutas políticas decisivas, como a CPI das Milícias, Marielle decidiu dedicar sua atuação como vereadora a combater as desigualdades, lutar por oportunidades para os mais pobres e excluídos e enfrentar a milícia e outros grupos criminosos que aos poucos avançam sobre os territórios do Rio de Janeiro. Claro que muita gente não ficou satisfeita, e passou a combater Marielle na Câmara dos Vereadores, nas ruas e nas redes. Tanto que, mesmo após o assassinato brutal que sofreu, muita gente foi a público levantar dúvidas sobre ela.
O incômodo com Marielle não tem só o objetivo de calar sua voz. Mas de garantir que pessoas como ela (e como muitos de nós) percam a coragem de questionar ou combater a injustiça e o crime em nosso país. Ou, simplesmente, de enfrentar as dificuldades e os desafios da vida de cabeça erguida, sem se calar perante quem se acha superior.
A maneira que opositores encontraram para fazer isso foi desumanizando Marielle, em uma operação complexa composta por uma série de bots, fakes e pessoas mal intencionadas que replicam toda sorte de conteúdo.
Não cabe, aqui, recontar as mentiras que foram criadas e histórias falsas que foram desenvolvidas ao longo desses 6 anos. Mas esse histórico é importante para pensar qual a maneira mais efetiva de mostrar para as pessoas a importância e o legado de Marielle.

Então, como falar sobre Marielle, hoje?
É claro que a força dessa mulher negra, periférica e bissexual se tornou um símbolo para o ativismo LGBT, antimachista e antirracista no mundo todo. Esse legado não deve ser escondido, até porque ela mesma nunca tentou escondê-lo. Nós entendemos o quanto isso é importante, mas nossa tarefa é aprender a mostrar como esse legado se relaciona mesmo com quem pensa ser contra esses valores.
Em momentos como os do júri popular de seus algozes, é importante convocar todos a se manifestarem por Marielle. Para estabelecer esse contato, é importante considerar que a maior parte das pessoas não acompanhou essa história, os desdobramentos e nem os debates ao redor do caso.
Sendo assim, o principal objetivo aqui é conseguir dialogar para além de quem já concorda do assunto, sem cair em “jargões”. Pense em como você descreveria esse caso se fosse com alguém que você conhece – o discurso mais simples é o mais efetivo.
Construindo conexões
Mulher real
Por trás do símbolo mora a memória de vida de uma mulher real, e é mais provável que pessoas se conectem com Marielle como pessoa, e não com bandeiras. É mais fácil você conseguir dialogar através dos valores, da história de vida e da condição humana, e em um contexto onde o passado de Marielle é um dos principais focos de fake news, é fundamental defender sua história inspiradora, que tristemente tem sido menos lembrada do que as mentiras sobre o caso.
Marielle foi uma criança de uma das maiores comunidades do Rio, o complexo da Maré, que cresceu na Igreja Católica e trabalhou desde os 11 anos de idade, convivendo em uma família que priorizava a Educação. Ajudou a cuidar da irmã menor e aprendeu a dividir a rotina entre o trabalho durante o dia e o estudo à noite, até que, depois de adulta, engravidou e passou a priorizar o cuidado da filha acima de tudo. Foram a sua realidade social, os estudos e, principalmente, a filha, que a levaram à dedicação que a tornou vereadora.
Mãe, filha, irmã e batalhadora
Falar da família de Marielle não é só importante como estratégia de comunicação, mas uma forma de fazer justiça a uma das famílias mais perseguidas do Brasil nos últimos anos.
Em um convívio cheio de mulheres fortes, Marielle tornou-se uma perseguidora de sonhos: da mãe, que queria ver as filhas bem encaminhadas; da irmã, que se destacou no esporte e conquistou bolsas para estudar no exterior; da filha, que sempre contou com a mãe para ter o melhor futuro possível, e dela própria, que queria morar em um Rio de Janeiro melhor para todos e livre dos grupos criminosos que tentam dominar a cidade. Não foi a ambição de ser vereadora que levou Marielle à política, mas sua dedicação e conhecimento sobre os problemas da cidade que a levaram a atuar por muitos anos como assessora parlamentar e coordenadora de ações fundamentais na CPI das Milícias. Marielle acreditava que não faria sentido mudar o contexto de sua família sem mudar os problemas do mundo ao seu redor.
O importante é entender que ver Marielle Franco para além de seu crachá é uma ferramenta fundamental de identificação. Afinal, não sei quantas vereadoras ou políticas você conhece. Mas, com certeza, conhece muitas mulheres que batalharam por seus objetivos com garra e determinação sem se deixar abalar, e lutando por uma vida melhor para todos juntos de si.
Você precisa saber:
Não é uma questão de esquerda x direita
o fundamental é lembrar que o atentado contra Marielle foi, sim, proposital, planejado e encomendado. Mas, da mesma forma que ela não merecia passar pelo que aconteceu, nem nós, nem nossos filhos merecemos ser vítimas da violência e do crime organizado. E cada vez que lideranças das milícias escapam da Justiça, eles se sentem mais à vontade para expandir seus crimes e agir contra a população.
Neste contexto,
A essa altura, uma das poucas certezas que temos é de que o crime cometido contra Marielle foi um assassinato político e brutal. Mas essa ideia não diz muito para um país que aprendeu que tudo que é “político” não presta. A consequência disso é que a brutalidade cometida contra Marielle, num momento em que discussões políticas ficaram mais polarizadas do que nunca, se tornou um assunto ideológico: quem é “de esquerda”, foi às redes e às ruas perguntar #QuemMandouMatarMarielle? E quem é “de direita”, ou não toca no tema, ou ajuda a promover dúvidas e fake news quanto ao caso. Marielle era, sim, uma representante de esquerda, mas seu assassinato representa muito mais do que isso. Muita gente é contra a esquerda. Mas ninguém (ou quase ninguém) apoia injustiça, brutalidade, violência e a ação das milícias e do crime organizado.
Desmentindo fake news
Na nossa abordagem de combate à desinformação, acreditamos que o melhor caminho é evitar reforçar mentiras, mas sim construir uma narrativa forte e positiva sobre quem Marielle Franco realmente foi. Isso permite que as pessoas conheçam uma história verdadeira e inspiradora, enquanto evitamos propagar as narrativas difamatórias.
Em vez de responder às fake news palavra por palavra, apresentamos facetas reais da vida de Marielle que contradizem as mentiras por si mesmas, destacando sua trajetória de forma autêntica e empática.
De novo, a vida pessoal é o melhor antídoto:
Uma garota que, aos 13 anos, viu uma arma pela primeira vez enquanto brincava na rua (e, a partir daí, nasceu sua preocupação com a segurança pública. Uma mãe solo que conseguiu estudar para conquistar um emprego melhor para dar melhores oportunidades para sua filha (trajetória que a inspirou a desenvolver projetos em benefício das mães e mulheres, de todas as classes). Uma chefe de família, que um dia saiu para trabalhar e nunca mais voltou para casa (e a partir daí, mobilizou o mundo contra a violência política).
Como responder fake news
"Ela nem era tudo isso"
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Marielle era uma mulher incrível e determinada, cuja vida foi marcada por diversas conquistas. Ela abriu espaço na política para quem jamais havia se sentido representado, trazendo luz às causas de comunidades esquecidas e dedicando-se ao fortalecimento dos direitos básicos para quem mais precisava. O valor do seu trabalho pode ser visto em seus projetos como vereadora, que impactam diariamente a vida de milhões de pessoas.
"Ela era só uma militante"
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Marielle era uma pessoa apaixonada pela vida e pelas pessoas. Além de ser uma vereadora comprometida, também amava futebol, samba, era mãe, amiga querida, e sempre usou sua vivência para se conectar com as pessoas. Sua atuação na política era uma extensão natural de suas próprias experiências, como moradora de uma favela que conhecia de perto os desafios enfrentados por tantas famílias no Brasil.
"Muitas pessoas, incluindo mulheres negras, morrem assassinadas"
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Assassinatos políticos, como o de Marielle Franco, são especialmente graves pois representam uma ameaça direta à liberdade de expressão, ao direito de representação e à democracia. A morte de Marielle não apenas interrompeu uma vida promissora, mas simboliza uma tentativa de calar vozes que lutam por justiça social e dignidade para todos. Sua morte transcende o ataque individual, pois enfraquece o direito coletivo de participação política e ameaça os avanços no combate às desigualdades e à injustiça social.
"Ela se envolvia com pessoas perigosas"
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Marielle iniciou sua luta pela segurança pública após sua melhor amiga perder a vida por conta de uma bala perdida. Seu trabalho sempre foi pautado pela busca de segurança, tanto para moradores de comunidades vulneráveis quanto para os próprios policiais, que muitas vezes se tornam vítimas desse mesmo sistema de violência urbana. Marielle defendia soluções que abordassem a segurança de forma ampla, promovendo o entendimento entre comunidades e forças de segurança.

Por fim, quanto mais as investigações sobre Marielle avançam, mais cresce uma narrativa de que ela era “uma política qualquer”, “uma lacradora”, “uma defensora de bandidos” e que não merece nossa atenção. Mas, com pouco mais de um ano de atuação parlamentar, Marielle criou projetos de lei relevantes, que impactam diretamente a vida da população e mostram exatamente suas ideias e disposição de cuidar de todos.
A seguir, alguns dos projetos de lei assinados por Marielle Franco:
Legado e importância
3. Dossiê Mulher Carioca (PL 555/2017), um estudo periódico sobre as mulheres atendidas pelas políticas públicas do município do Rio de Janeiro.
1. Assédio não é passageiro (PL 417/2017): propõe a criação de uma Campanha Permanente de Conscientização e Enfrentamento ao Assédio e Violência Sexual nos equipamentos, espaços públicos e transportes coletivos.
4. Espaço Coruja (PL 17/2017): programa de acolhimento às crianças no período da noite, enquanto seus responsáveis trabalham ou estudam.
2. Programa de Efetivação das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto (PL 515/2017), destinadas a adolescentes que cometeram atos infracionais menos graves, ou seja, sem violência ou ameaça.
5. Assistência Técnica Pública e Gratuita para habitações de interesse social (PL 642/2017) para as famílias de baixa renda.
Encarar Marielle como um símbolo só funciona quando a gente mostra o que esse símbolo representa para a vida real. A importância de desvendar o atentado contra Marielle num país de tantos crimes sem resposta não está em ela ser vereadora e, portanto, “privilegiada” de alguma forma. Mas em se unir em prol de um caso que comoveu o mundo, mobilizou o poder político, levantou informações importantes sobre as relações entre a milícia e a polícia e tirou das ruas alguns dos principais chefes do crime no Rio de Janeiro. O nome de Marielle deve ser levantado e associado sempre à luta por Justiça, igualdade e ao combate ao que há de mais perigoso em nosso país. Quanto mais descobrimos as verdades sobre o caso Marielle, mais descobrimos como combater e enfraquecer as milícias no Brasil.
Acima de tudo, é importante mostrar que estamos aqui, nos importamos e estamos dispostos a lembrar todo mundo que justiça por Marielle é justiça pelo Brasil.